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Sigilo em clínica. A parte séria dessa conversa...
Artigo escrito para o site e redes sociais.
Coloca filtro na tua foto, não, isto não é um clickbait!
Artigo escrito para o site e redes sociais.
Traição e a sombra do terceiro
à luz da história, cultura, psicanálise e sexologia.
Artigo escrito para o site e redes sociais.
Isolamento, Solidão e Solitude.
Artigo escrito para o site e redes sociais.
Sociedade Esquizoparanóide e a Indústria do Caos:
Uma análise introdutória Kleiniana e Lacaniana da contemporaneidade.
Artigo escrito para a Escola de Psicanálise de Curitiba, PR.
Ok, Google. Fale-me tudo sobre tudo, sobre meu psicanalista e sobre mim.
Artigo escrito para a Escola de Psicanálise de Curitiba, PR.
Inicia tua jornada!
Entra em contatoOk, Google. Fale-me tudo sobre tudo, sobre meu psicanalista e sobre mim
Por Hellen M. A. Cardozo Monarcha
Com um pequeno ajuste no enunciado, o Google diria: “aqui está o que encontrei!”. Afinal, “é o Google!” Chega a ser esquisito não haver um resultado no Google. Não é mesmo? Provavelmente, o erro está na busca, na palavra-chave mal escolhida, na frase mal redigida. “Ele” possui tudo o que precisamos saber. Não possui? Deste modo, “ele” não poderia nos frustrar, “ele” é o “nosso sujeito suposto saber contemporâneo, digital e global”. E esta é minha provocação inicial.
Mas, por enquanto, deixemos o Google no parágrafo anterior. Falemos de Psicanálise. Na Psicanálise Contemporânea há essencialmente uma tênue linha entre o “saber” e o “não-saber”, que eu relaciono ao consciente e ao inconsciente do analista e do analisando, imbricados e independentes, graficamente representados pelo esquema lacaniano ou esquema “L”. Quanto mais eu sei, menos sou sujeito detentor do saber.
Ainda assim, sou sujeito suposto saber, necessariamente e temporariamente. Necessariamente, pois a clínica contemporânea precisa desta premissa para acontecer e para se estabelecer. Temporariamente, pois esse suposto saber deverá ser frustrado em breve, em prol da evolução do tratamento. Pois, haverá um sujeito que chegará até a clínica, aquele que se autodenomina como o que “não sabe” e que espera saber “de tudo” tão logo possa. O que esse sujeito que se entende como não entendedor não espera é que a fonte deste saber não esteja em seu analista, a não ser na condução da análise, no manejo clínico.
E o analista, muitas vezes iniciante ou em contratransferência, poderá ser aquele que se autodenomina como “o que sabe” e que espera oferecer as respostas sobre “tudo” tão logo possa. E assim, ele estará reprimindo, julgando, aconselhando e impondo seus significantes à significação que não lhe pertence: a de seu analisando. Talvez, esse analista possa estar se amparando em uma abordagem mais pedagógica. O que não creio. Entendo que este analista esteja precisando de análises pessoais.
De todo modo, como psicanalistas contemporâneos, precisamos ir além do dicionário e da etimologia das palavras, provavelmente mais que um psicanalista clássico precisaria, por ser de uma era não-digital e ainda não tão excessivamente informacional. Ainda falarei um pouco mais deste ponto.
Antes, retomo o saber do setting, que é o saber desperto no analisando, espontâneo, não orientado, advindo de chistes, de atos falhos, de respostas a provocações, de sonhos relatados, de projeções, de cortes, de sua história pessoal, de sua história ancestral, de suas fendas e refendas. O saber do setting não é o saber do analista ou do analista-palestrante, do analista-educador, do analista-produtor-de-conteúdo-digital.
Aliás, sou educadora, sou palestrante e sou produtora de conteúdo digital, mas a Psicanálise e a vida de meu analisando nunca poderão ser minhas propriedades. Esta ideia vem se tornando para mim mais nítida. A exposição de meus símbolos deve ser inclusive repensada em cada ambiente e plateia. Também não deverei me reprimir, mas me readequar sim, e isso faz parte da escolha que fiz quanto à Psicanálise.
Como discorri no início, as linhas são tênues, o “saber” e o “não-saber” estarão sempre tensionados, inclusive metodologicamente. E o contemporâneo intensifica e desafia qualquer separação de papéis. Somos uma “Sociedade em Rede”, como diria Castells (1999). Estamos cercados de novos símbolos e de novos ambientes de inter-relação. Aliás, nos vejo cercados de conceitos distorcidos e circulantes, ou seja, além da quantidade, há este novo fator complicador da clínica, gerador de implicações e de tensões: a qualidade do que se lê e do que se vê. O pior conselho muitas vezes é “oficial”.
Neste ponto, recorro novamente “ao Google” com uma pergunta: “ok, Google. A quem pertence as ideias, os significados, as palavras?”. Amabilidade, fidelidade, bondade, empatia são boas características segundo quais significantes? O elogio na clínica ao que é certo não seria uma validação por um outro Superego? E a crítica ao mau comportamento não seria mais outro? Não estaríamos “modelando”, “mentorando” e assujeitando o analisando ao nosso imaginário e simbologias?
E qual o limite da liberdade na clínica contemporânea? Afinal, psicanálise em primazia é liberdade. Esta clínica consegue ser livre convivendo essencialmente em rede? Como distanciar de um analisando o que os algoritmos salvam “eternamente”? Como preservar nosso imaginário e nossos símbolos do mundo real, reduzindo a presença virtual, se a conveniência e a própria dialética social tornou a realidade virtual prioritária? Encerro aqui, aceitando todo o “saber” que há em meu “não-saber”. Ficam as perguntas. Abro mão das respostas. Ok!
Referência
CASTELLS, Manoel. A Sociedade em Rede. (A era da informação: economia, sociedade e cultura; v.1). São Paulo: Paz e Terra, 1999.
Sociedade Esquizoparanóide e a Indústria do Caos Uma análise introdutória Kleiniana e Lacaniana da contemporaneidade
Por Hellen M. A. Cardozo Monarcha
Resumo
O presente trabalho faz uma análise introdutória da sociedade atual, imersa em condições de produção e de consumo da “Indústria do Caos”, à luz de teorias psicanalíticas kleinianas e lacanianas. Em seu recorte ilustrativo estão sujeitos reconhecidos internacionalmente, artistas da música e do cenário político, inseridos no estudo da estratégia do “Marketing de Vingança”, que lucra com o desafeto. Deste modo, em uma única reflexão, é analisado o mercado de trabalho, o universo digital, a cena artística de influência internacional e suas prováveis implicações na linguagem e na psique social e individual da contemporaneidade. Como é demonstrado, ainda que de forma breve, estes aspectos caracterizam a “Sociedade Esquizoparanóide” e a “Indústria do Caos”, entre outros aspectos passíveis de estudos futuros e complementares. Em sua revisão de literatura psicanalítica principal estão os seguintes conceitos: Teoria das Posições, Identificação Projetiva (KLEIN, 1969), Grande Outro e Pequeno Outro (LACAN, 1901).
Palavras-chave
Sociedade Esquizoparanóide; Indústria do Caos; Marketing de Vingança; Klein; Lacan;
Introdução
O caos vende. E, segundo diversos empreendedores e formadores de opinião contemporâneos só existe uma profissão no mundo, a de vendedor. Na internet, já não identificamos facilmente o que é prateleira e o que é peça publicitária, quem é um profissional contratado e quem é o contratante, ou o “garoto-propaganda”, a celebridade, o influenciador de vendas, o consumidor. Neste cenário, nem é possível mais saber se sobra alguém que se identifica como “pessoa comum”, localizada somente na “plateia”. Afinal, há micro espetáculos sendo realizados neste ambiente ubíquo por uma sociedade inteira “espetacular”, de “tiktokers”, “reelers”, “instagramers”, “youtubers”. Neste contexto, compra-se e vende-se o caos. Resoluções absolutas ou em poucos passos estão sempre à disposição, para a saúde plena, para a beleza definitiva, para a fluência perfeita, para o relacionamento “blindado”, para a fama, para o sucesso, para o primeiro milhão... Todos precisam “precisar de algo”, de muito ou de tudo. As faltas existenciais e os desejos se multiplicam em proporções inimagináveis antes, paradoxalmente a toda promessa de facilidade, leveza e tempo extra que esta era traria. A sensação compartilhada é de que não haverá tempo suficiente nem para escolher por onde começar! Antes de tudo, da convergência, da era informacional, da tecnologia, do cenário imbricado e de crescimento exponencial em todas as direções, temos gerações de seres humanos, de culturas diferentes, em condições de produção e de consumo diferentes se encontrando virtualmente neste novo “não-lugar”, muito mais que presencialmente, e, consciente ou inconscientemente, com suas mesmas demandas primitivas, “infantis”, elucidadas por Sigmund Freud (1856-1939), Melanie Klein (1882-1960), Anna Freud (1895-1982), Donald Winnicott (1896-1971), Jacques Lacan (1901-1981), entre outros autores clássicos e da contemporaneidade. Na sequência de discussões, trarei a “Teoria das Posições” de Melanie Klein e transversalmente os conceitos de “Grande Outro”, “Pequeno Outro” e “Significante” de Jacques Lacan, para embasar do que se trata a “Sociedade Esquizoparanóide” e a “Indústria do Caos” na qual ela está inserida, essencialmente através de um recorte, exemplificado pela estratégia mercadológica que envolve desafetos entre sujeitos de fama internacional, o “Marketing de Vingança”. Vamos começar nossa análise
1 Teoria das Posições e Sociedade Esquizoparanóide
A teoria das posições de Melanie Klein considera duas modalidades relacionais pelas quais transitamos, uma posição que vai dos quatro meses ao primeiro ano de vida, denominada posição depressiva, e uma posição que geralmente ocorre após o primeiro ano de vida, denominada posição paranóide, posteriormente tratada pela autora como esquizo-paranóide para evitar controvérsias de tradução e interpretação (LAPLANCHE E PONTALIS, 2000).
Acrescento ainda que, antes dos quatro meses de vida, a posição do bebê é esquizo-paranóide, relativa ao ego ainda pouco integrado e constituído. Afinal, a ansiedade persecutória (de perseguição, de destruição do “mau” objeto) se dá desde o nascimento, como primeira forma de ansiedade (KLEIN,1969).
Esquizoparanóide ou paranóide-esquizóide:
Como a etimologia deste termo designa, os mecanismos defensivos predominantes nessa posição são os de dissociação (o étimo grego esquizo significa cisão, corte, divisão, tal como aparece em esquizofrenia, ou seja, divisão da mente, palavra essa que, em grego, é frenos) e as defesas de identificações projetivas (ou seja, paranóides). As referidas dissociações (divisões) não dizem respeito unicamente aos objetos (por exemplo, em bons e maus), mas também às pulsões (amorosas e agressivas), ansiedades e aspectos do ego. (ZIMERMAN, 2007, p.144
Quanto à posição depressiva, esta é considerada a mais saudável das posições à medida que unifica e sintetiza o que estava fragmentado (“bom” e “mau” objeto). Segundo Melanie Klein (apud LaPlanche e Pontalis, 2000, p.215), a posição depressiva...:
Caracteriza-se pelo seguinte: a criança passa a ser capaz de apreender a mãe como objeto total; a clivagem entre “bom” e “mau” objeto atenua-se, pois as pulsões libidinais e hostis tendem a referir-se ao mesmo objeto; a angústia, chamada depressiva, incide no perigo fantasístico de destruir e perder a mãe por causa do sadismo do sujeito; essa angústia é combatida por diversos modos de defesa (defesas maníacas ou defesas mais adequadas: reparação, inibição da agressividade) e superada quando o objeto amado é introjetado de forma estável e tranquilizadora.
Essa ambivalência, alternando destruição e reparação, abatimento e exuberância, que é análoga aos estados depressivos, já havia sido notada nas crianças por Klein (apud LaPlanche e Pontalis, 2000), antes mesmo de introduzir a noção de “posição depressiva” em seus estudos psicanalíticos.
Além disso, o termo “posição”, diferentemente do termo “fase”, como em “fases de desenvolvimento da organização sexual” (FREUD, 1901 - 1905), denota a existência destas modalidades de relação objetal tanto em crianças, quanto em adultos, de forma alternada, com reincidências, portanto não sendo característica de um ponto fixo.
De forma resumida, no trânsito entre as posições propostas por Melanie Klein, temos o movimento de fragmentação (posição esquizoparanóide) e o de fusão (posição depressiva). O seio materno é o protótipo que refletirá nos objetos representacionais com os quais um indivíduo se relacionará ao longo de sua vida e estes serão parcialmente e constantemente o retorno inconsciente a esta relação de base e seus diversos mecanismos de defesa, deste modo, nunca satisfatórios no sentido de um sentimento final de plenitude.
Partindo deste ponto, proponho um olhar mais amplo, lançado à contemporaneidade. Volto a atenção ao sujeito adulto inserido no que chamo de “Sociedade Esquizoparanóide”, na qual estão os sujeitos de pesquisa deste artigo e todos os demais sujeitos sociais relacionados com os aspectos psíquicos, afetivos e comportamentais dos exemplos que serão abordados a seguir. Direta ou indiretamente, estes segundos sujeitos somos todos nós, indivíduos do século XXI
1.1 Marketing de Vingança e Psicanálise
Para este recorte, recorri a sujeitos do universo pop: celebridades da música e figuras da classe política, como os membros da família real britânica aludidos posteriormente com menor ênfase. Também recorri às estratégias mercadológicas relacionadas a este universo, enfaticamente ao “Marketing de Vingança” (figura 1), de certo modo duvidoso ou, no mínimo, caraterístico de um cenário que se propaga diante de todos nós, a partir e através de nossos desejos “mais infantis”, digamos deste modo, visando o lucro pelo desafeto
Figura 1- Marketing de Vingança (trechos do carrossel)
https://instagram.com/ administradores/, 2023
Mas, afinal, o que tanto chama a atenção da sociedade nos casos do divórcio da cantora Shakira e das acusações feitas pelo príncipe Harry à sua família? Para citar dois. Destaco que, tanto em um caso quanto em outro, um produto comercial foi criado “pós- desafeto” e bateu recordes de buscas e de vendas, respectivamente uma música e um livro (figura 2), além de subprodutos como a venda de uma “conversa íntima” por 17 libras (R$ 107,00) com o duque de Sussex para falar sobre perda e cura pessoal. (figura 3).
Figura 2 – Spare, entre os mais vendidos
encurtador.com.br/yEX08, 2023
Figura 3 – Conversa Íntima por 17 libras
encurtador.com.br/qvIT2, 2023
No caso da cantora Shakira, além do hit “BZRP Music Sessions #53”, em que a artista expõe insatisfações e decepções que, segundo ela sugere, levaram ao fim de seu relacionamento, um novo hit será lançado em parceria com a cantora Karol G, anunciado como “ainda mais empoderado” e com “novas indiretas à Piqué”1. Mais adiante,analisarei linguagem similar em trechos musicais da canção já lançada, a partir de Lacan.
Vulgarmente, celebridades são consideradas inalcançáveis, pessoas extraordinárias e de sucesso, que conseguiram realizar todos os seus desejos, distanciando-se assim da maioria dos “indivíduos comuns”. Elas simbolizam um “Grande Outro”, (LACAN, 1956-1957), muitas vezes para si mesmas: um príncipe, casado com uma atriz de Hollywood, uma musa do pop internacional, ex-mulher de um campeão, ex- jogador de futebol de time internacionalmente reconhecido.
Em uma “identificação projetiva”, aos olhos de seus fãs, a única alternativa é que seus ídolos representem “o melhor de um ser humano.”
A identificação projetiva está ligada aos processos de desenvolvimento dos primeiros três ou quatro meses de vida (posição esquizoparanóide), quando a fragmentação se encontra no auge e predomina a ansiedade persecutória. O ego ainda está bastante desintegrado e, portanto, é passível de fragmentação, assim como suas emoções e seus objetos internos e externos [...] (KLEIN, 1969, p.10)
Portanto, o “bom” e o “mau” comportamento do outro é analisado em conformidade com o ídolo da música, do esporte, ...ou da política de quem observa. Por exemplo, se sou fã de Shakira, ela representa tudo o que é “bom” e seus desafetos (ex- marido Piqué, namorada do ex-jogador Clara Chía, ex-sogra) representam tudo o que é “mau”, sem meios-termos, portanto devem ser eliminados. Em uma linguagem contemporânea: “cancelados”.
Vejamos um trecho do hit “BZRP Music Sessions #53”(vagalume.com, 2023):
As mulheres não choram, as mulheres faturam Ela tem o nome de uma boa pessoa Claramente não é o que parece
Quantos significantes poderiam ser depreendidos dos termos e expressões mencionadas na canção? Pois “É como significante que a imagem entra em jogo em seu diálogo, e é como significante que ela representa alguma coisa.” (LACAN, 1995, p.42). Clara, clareza, transparência, verdade; claramente (Clara “Chía” mente), mentira, obscuridade; “mulheres não choram” versus o ditado “homens não choram”, rivalidade homem x mulher; mulheres faturam. Mas, quais mulheres? “Boas” mulheres? Shakira? Clara Chía? Meghan Markle? “Boas” pessoas? Harry? Piqué?
Mais adiante, metáforas comparam objetos de luxo a objetos populares, respectivamente fazendo alusão à Shakira e à Clara Chía. Na comparação, marcas valiosas são trocadas por produtos de categoria inferior. Porém, a partir de um olhar mais atento, o mesmo trecho musical desvela um aspecto específico do “afeto” (o que afeta) da cantora: uma comparação etária (vagalume.com, 2023).
Eu valho por duas de 22 Você trocou uma Ferrari por um Twingo Você trocou um Rolex por um Casio
Shakira é cantora, compositora, dançarina e multi-instrumentista, é produtora, empresária, coreógrafa, atriz e modelo. É filantropa e embaixadora da Boa Vontade da UNICEF. É criadora da Fundação “Pies Descalzos”, que já impactou mais de 87.000 famílias em projetos de educação na Colômbia, desde 1997.2 Hoje seu nome está evidenciado pelo “Marketing de Vingança”.
A esta altura do texto, o que este currículo diz ao leitor? O que “não-diz”? O que a reedição de uma biografia diz ao proprietário dela? O que diz à sociedade? O que é possível ver em si mesmo sob a lente psicanalítica deste recorte, observando produtos e pessoas na contemporaneidade? Quem ou o que valida um “Grande Outro”?
Considerações finais
Para Lacan, ao entendermos o conceito de “pequeno outro”, “- isto é, até aonde pode ir outrem, o pequeno outro, que não passa de seu alter ego, o duplo dele mesmo” (LACAN, 1995, p.26), lidamos com maior discernimento a respeito de quem somos em relação ao outro no qual nos constituímos. A expressão “pequeno outro”, portanto, nos define a todos. Como contraponto, passamos a questionar as origens inconscientes do “Grande Outro”, o que não pretendi focar ou aprofundar neste trabalho.
Em qualquer época, somos seres sociais que compartilham significações, porém possuímos “significantes” particulares e diversos para cada significado coletivo, forjados em percursos individuais. Em meio à convergência e à globalização, isso torna este estudo ainda mais importante quanto ao momento social esquizoparanóide apontado.
Tomando como base a “Indústria do Caos”, e mais especificamente a estratégia do “Marketing de Vingança” utilizada por celebridades, busquei interpretar a precipitação de atitudes exacerbadas e em larga escala quanto a se escolher “o lado correto da situação”, obrigatoriamente, contundentemente, sob o risco de “cancelamentos” e exclusões de grupos formados por afinidade.
Trouxe ainda a este breve debate a “ansiedade persecutória” e a “identificação projetiva” encontradas em bebês e como são reverberadas em vidas adultas em caráter de “refenda”, supondo ter alcançado o objetivo reflexivo pretendido para os âmbitos individual, social e comunitário psicanalítico, como incentivo a futuros estudos em prol da popularização dos elementos constitutivos da saúde psíquica e psicossocial.
Referências
FREUD, Sigmund. (1901-1905). Um caso de histeria, três ensaios sobre sexualidade e outros trabalhos. Edição Standard Brasileira. [entre 1970 e 1980]
______. (1923-1925) O eu e o id,“autobiografia”e outros textos. Tradução Paulo C. de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2011
KLEIN, Melanie.(1955) Temas de psicanálise aplicada. Tradução Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1969
LACAN, Jacques. (1956-1957).O seminário, livro 4: a relação de objeto; tradução Dulce Duque Estrada. Rio de Janeiro: Zahar, 1995
______. (1969).O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise; tradução M.D.Magno. Rio de Janeiro: Zahar, 1985
______. (1901-1981).Os complexos familiars na formação do indivíduo: ensaio de análise de uma função em psicologia; tradução Marco Antônio C. Jorge, Potiguara M. da Silveira Jr. Rio de Janeiro: Zahar, 2008
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário de psicanálise. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
ZIMERMAN, David E. Psicanálise em perguntas e respostas [recurso eletrônico]: verdades, mitos e tabus. Porto Alegre: Artmed, 2007
Isolamento, Solidão e Solitude
Por Hellen M. A. Cardozo Monarcha
Isolamento, solidão e solitude. Segundo o Dicionário Aurélio (1986), são termos interligados pela palavra solitudine (do latim). Significam “estar só”, de algum modo. Neste post, trarei todos e cada um deles para a contemporaneidade. E, claro, falarei de amor, pois “amor contém solidão” e “quem não suporta a solidão também não suporta o amor” (SUY, 2022, p.22).
Solitudine, a mim inspira poesia. Ou remete a outro tempo. La solitudine (“A solidão”) foi canção gravada em 1993, pela italiana Laura Pausini. La solitudine fra noi (A solidão entre nós)/Questo silenzio dentro me (Este silêncio dentro de mim)/È l'inquietudine di vivere la vita senza te (É a inquietude de viver a vida sem você)/(letras.mus.br/laura-pausini).
Dito isso, vamos direto aos conceitos, breves, para situá-los. Coloquialmente, temos o isolamento_ um afastamento das pessoas pelo modo como nos sentimos internamente, (desconsiderem o sentido sanitário por um momento); a solidão_ estar só sem ter escolha, mas querer estar acompanhado; a solitude_querer estar só, sentir-se bem desta forma.
Explico os termos unicamente por terem se popularizado. Mas, o que nos importa, de fato? Entender como nos sentimos na presença de outras pessoas e em nossa própria presença. Por que o final de semana pode ser difícil para muitos? E as férias, supostamente tão desejadas por todos? E o que as restrições protocolares da Covid-19 nos provocaram?
Teoricamente, sabemos que somos sós. E que isso se aplica a todos. É universal. Do nosso nascimento ao nosso falecimento, somos sós. É natural e não ruim. Ainda assim, os finais de semana, as férias e o isolamento compulsório dos últimos anos nos deixaram/deixam mais “estranhos diante de nós mesmos”, sem os filtros do trabalho excessivo e outras fugas ou distrações.
Já faz um tempo que estamos “treinando para esquecer” como é ficar sozinho conosco, pois quem somos nós depois de tanto tempo “longe” mentalmente e emocionalmente, seja pela imersão em um trabalho ou em tantos vícios anestésicos e superestimulantes, como o digital?
Também estamos esquecendo como é ficar a sós com nossa(o) parceira(o), pois quem é ela(e) mesmo sem o afastamento físico dos dias úteis e dos “superestímulos” contínuo dos celulares, tablets e notebooks? As restrições da Covid-19 impuseram essa pergunta.Não soubemos responde-la. Nem o que fazer com nossas breves pausas ou de nossos cônjuges e filhos.
E é aqui que entro com um contra-argumento: do amor, do “treinamento para lembrar” e para co-criar memórias do agora, do presente. Chega de viver de #tbt. Entender o ponto em que tudo perdeu seu sabor, sua cor, sua força, seu cheiro, seu brilho, para depois encontrar a solidão da solitude. Paciência... Pois, os desejos suprimidos foram recalcados, se esconderam. Fazer análise, portanto, constitui o primeiro grande passo na própria direção.
“Amor contém solidão”, sim, e é preciso entender para concordar. Pois é no investimento da libido do eu que nos encontramos na libido do nós. Somos amáveis e desejantes em primazia para sermos amantes e desejados, amigos, filhos, pais, colegas, vizinhos, fornecedores, prestadores de serviço, diretores e servidores. Assim poderemos estar a sós em meio a esta multidão, como viemos a este mundo, sós..., mas não nos sentiremos isolados ou rejeitados. Não será possível.
Obrigada por fazer esta reflexão comigo!
Se quiser comentar, envie uma mensagem para o meu whatsapp.
Traição e a sombra do terceiro à luz da história, cultura, psicanálise e sexologia.
Por Hellen M. A. Cardozo Monarcha
Deixa eu conversar contigo de um modo diferente, sobre este tema que se apresenta como indigesto, digamos assim. Pois quero te reapresentar a ele, ao seu teor revelador, intrigante e relevante do ponto de vista individual. Vens?
Mais que ficar circum-ambulando em torno do “Complexo de Édipo”, já implícito na ideia “do terceiro”, do título, quero ampliar tua percepção transitando por outras ciências e ideias: históricas, culturais, sexuais... Vais entender.
A ideia de monogamia saiu de se “ter um parceiro sexual para toda a vida” para a de se “ter um parceiro sexual de cada vez” (PEREL, 2018). Por exemplo, numa separação de poucos meses em que o casal reata, as relações íntimas de cada um neste “intervalo” não são “classificadas” como traição.
Em contrapartida, em um casamento de cinquenta anos em que uma relação sexual extraconjugal tenha ocorrido uma única vez, lá pelo 21º ano da união, se descoberta, essa sim é uma traição “imperdoável”. Se traiu, traiu. Socioculturalmente é assim. Vale notar.
Se dermos um passo atrás, histórico, veremos a fidelidade ligada ao controle de reprodução, à propriedade e em nada tendo a ver com amor. Mas, na contemporaneidade, no Ocidente, a fidelidade é assimilada como tendo tudo a ver com amor. Se ela é suficiente no sustento do amor? Pode ser questionado.
Relativo a todo esse assunto, as relações pré-conjugais e homoafetivas também se tornaram mais aceitas em bastantes culturas, ampliando implicações e debates. Evitarei, pelo menos neste post (e artigo), analisar a qualidade desses debates. Seguindo...
Vou recuar agora até o indivíduo espontaneamente comprometido, que foi livre para escolher o parceiro. Ele está feliz consigo? Permanece fiel a si? E, em sua relação, a fidelidade garantiu a funcionalidade cotidiana? E aqui surge a palavra: funcional e, portanto, disfuncional. Seu “contrato nunca-dialogado” está funcionando?
Como psicanalista sugiro o olhar para o “um”. “A dois”, estarão sempre envolvidos mais de um universo: “um” e “outro”; e, ainda, “dois assujeitados” a cada “um”. E em cada “um”, todo o sistema em que se nasceu, cresceu e desenvolveu. Somos muitos no simples “um” tentando juntar todos no “um só” de “dois”.
Pois toda relação inicia na solitude, na relação já complexa consigo mesmo. Cada ser humano com seus desejos inconscientes a respeitar e dos quais deveria se inteirar. Inclusive, para evitar ou lidar com traumas, vícios, fobias, transtornos mentais, doenças físicas, sequestros emocionais e as mais diversas compensações.
“Se me disseres como foste amado e eu te direi como amas.” Tu te conheces? Sabes o que desejas? Começa por aí.
E a sombra do terceiro? Bem, há várias delas em diferentes relações:
- O medo de perder a preferência do outro é uma sombra, pois o outro é livre em seu pensamento e pode “decidir me deixar, sem me trair”;
- A traição concreta e descoberta, que devasta pela sombra do terceiro que permanece, representa a falta não negociada, em que “meu par decidiu ficar” ou “partir”, mas também me trair;
- A fantasia do terceiro, concreto ou imaginário, que “apimenta” as relações havendo ou não menção ou qualquer contato físico com este outro (o artista, a modelo, o bombeiro, etc);
- E os terceiros convidados, em alguns tipos de relação, que mesmo seguindo regras pré-estabelecidas, representam uma sombra de possibilidades de “quebra de contrato”,...
É fato que existe uma “equação de segurança vs aventura” nas relações, que todo ser humano almeja solucionar. Já observaste se ainda há risco no que é seguro e mistério no que é familiar dentro da tua relação? O que é proibido e inegociável entre ti e teu par? E o que é permitido e negociável?
Esperavas que eu fizesse perguntas fáceis ou que te desse todas estas respostas? Queres te autoconhecer? Faz análise! Eu te aguardo.
Coloca filtro na tua foto, não, isto não é um clickbait!
Por Hellen M. A. Cardozo Monarcha
Queria te dizer exatamente para colocares o filtro. Vou te explicar.
Em 2007, houve a estreia da TV Digital, com sua alta definição e nova forma de transmitir programas, como novelas, gerando muitos desafios às equipes de filmagem, cenografia, figurino e maquiagem, para todas as emissoras.
Com a mudança, detalhes antes imperceptíveis na textura da pele dos artistas, como acne, camadas de maquiagem ou tipos de tecidos em figurinos, passaram a ser evidenciados até seis vezes mais, através de imagens realísticas (G1,2007).
Na época, artistas se apavoraram com a “ameaça da realidade”, como “brincou” a atriz Renata Sorrah sobre “querer gravar de burca”. Com o tempo, as empresas se adaptaram à qualidade de exibição da nova tecnologia e “os rostos bonitos na televisão” retornaram à cena.
Falemos agora de contemporaneidade e de hiper-realidade: da harmonização facial, da Inteligência Artificial (I.A.), dos ângulos e iluminação de uma produção fotográfica profissional, dos ângulos das câmeras e resoluções dos smartphones, da tag #semfiltro e da autoestima.
Identificas as fronteiras entre os recursos que acabo de citar? Quanto à tag “semfiltro”, achas que se relaciona de algum modo com alimentação nutritiva, sono restaurador, hidratação e bem-estar? São minhas primeiras perguntas.
Antes de mais nada, o conceito de hiper-realidade diz respeito ao exagero da realidade, que é construída artificialmente, portanto podendo se referir a um rosto aperfeiçoado, a um jardim podado em formas geométricas, reality shows, filtros de I.A. e toda uma “vida instagramável”.
Examino aqui este tema pela amplificação dos contextos que o envolvem hoje, estimulado pela indústria do caos. E devido o sofrimento que esta realidade ficcional, porém presente e irreversível, tem fomentado em uma sociedade que está perdida em suas referências.
A tag “semfiltro” pode ser brincadeira, sinal de autoestima _baixa ou alta, e também pode ser desinformação, similar ao que ocorria com as capas de revistas de moda de outras décadas e o uso excessivo da ferramenta “photoshop”, antes de se tornar conhecida. Hoje, mais que antes, a manipulação da beleza é também a manipulação da “feiura”.
Afinal, esteticamente, achas que és tal qual uma celebridade? Não? Então, eu te pergunto se queres pagar o preço. Se a resposta for sim, tu és tal qual. Porém, observa o óbvio no entorno: qual a versão do teu celular? É Iphone? Tens dermatologista, personal trainer, nutricionista, cirurgião,...? Tens “teu” fotógrafo e filmmaker? Patrocínio? Qual teu conceito de filtro?
É importante questionar o que define tuas ações, o que te define, quem (te) define? Que filtros as celebridades não utilizam ao acordar “naturalmente belas”, somente os de I.A.? Por que crês que teu celular é mais honesto que teu espelho? A luz azul mais que a luz solar?O que, de fato, desejas? Quais tuas prioridades? Tua bebida principal é álcool ou água, por exemplo?
O que te fazes diariamente te reflete de muitos modos. Pensa comigo.
Em História da Beleza (2004) e em História da Feiura (2007), Umberto Eco já nos fez refletir que beleza e feiura estão nos olhos de quem vê e nos padrões culturais de quem observa. Portanto, como mensurar a “aceitação” individual de si por imposição coletiva de quaisquer dos dois termos?
É preciso observar a dialética sócio-cultural e histórica, sem desconsiderar questões políticas que suprimem o indivíduo àquilo que este deve achar coletivamente feio ou bonito. O que te digo neste resumo: observa tua emoção, questiona tua percepção, define tua autoimagem por ti mesmo, coloca filtro na tua foto sempre que quiser, pois continuas sendo o resultado.
“Sejas tu”. Não é tão simples, percebes? Por isso te convido ao conhecimento e ao autoconhecimento. Faça análise! Eu te aguardo.
Sigilo em clínica
Por Hellen M. A. Cardozo Monarcha
Há poucos dias postei um meme sobre o sigilo em clínica. Procurem pelo “Batman” nos meus Reels (acesse aqui). E aqui vai a parte séria dessa conversa...
📌Qual é a real importância do sigilo na clínica psicanalítica?
Simplesmente, sem o sigilo, a abordagem clínica deixa de ser psicanalítica. Ocorre uma distorção metodológica que incorrerá em ineficiência e ausência de resultados. Pois, o conteúdo percebido (pelo...) e revelado ao profissional da saúde é do analisante. Não é nosso.
A clínica é do profissional, o manejo é dele, a gerência do processo é dele e não a regência da vida do “outro” ou a exposição de conteúdos particulares e demais atitudes partidárias, com intervenções externas ao processo.
Abrindo um breve parêntese, as crianças estão em uma categoria especial neste quesito, como no modo de expressar e capacidade de abstrair. E não se governam. Parêntese fechado.
A ruptura do vínculo de confiança por atitudes antiéticas, pode produzir novos estímulos a repressões e recalcamento de conteúdos, gerando assujeitamento dentro do espaço que deveria fomentar o autoconhecimento e o encontro do analisante consigo.
Pois, sem o sigilo, interfere-se na Associação Livre daquele que nos confiaria sua história, suas angústias, seus sintomas. A Associação Livre só se dá quando o analisante “larga o controle e a gerência de suas palavras e gestos”, “delegando” boa parte de seu discurso ao inconsciente, que se manifesta sem convite...
Não há ambiente clínico seguro sem o sigilo. Porém, o sigilo não se estabelece por decreto. Isto significa que não basta saber ou estudar o quão importante ele é.
De todo modo, analistas são seres tão humanos quanto analisantes, em áreas distintas de conhecimento e em diferentes estados de consciência. O que é preciso, portanto, é que o profissional que cuida, se cuide, que VIVA, que esteja em análise, em supervisão e em estudo teórico e clínico regulares.
O excesso de controle externo, normalmente aponta para a falta de controle interno, de suas próprias questões. Faça análise! Ao me escolher, também o escolho!
Psicanalista Hellen Monarcha